Por décadas, os alimentos ultraprocessados vêm ganhando espaço nos hábitos alimentares em escala global. No caso dos Estados Unidos, estima-se que mais da metade das calorias consumidas por adultos venha desse tipo de produto, caracterizado pelo baixo valor nutricional, presença de aditivos artificiais e forte apelo de conveniência. Agora, um novo estudo conduzido pela Universidade Fudan, na China, em parceria com pesquisadores da Escola de Saúde Pública de Harvard, adiciona uma preocupação neurológica à equação: o consumo elevado de ultraprocessados estaria associado a maior probabilidade de desenvolver sinais precoces ligados ao Mal de Parkinson – doença neurodegenerativa que afeta o movimento, o sistema nervoso central e, eventualmente, a autonomia dos pacientes.
Os dados foram extraídos de dois estudos epidemiológicos de longo prazo com mais de 40 mil profissionais da saúde nos Estados Unidos. A dieta dos participantes foi acompanhada desde a década de 1980, e, a partir dos anos 2010, eles passaram a responder também sobre alterações neurológicas iniciais – como constipação crônica, perda parcial do olfato e distúrbios comportamentais do sono REM – sintomas considerados precursores do Parkinson. A correlação foi clara: indivíduos que consumiam cerca de 11 porções diárias de alimentos ultraprocessados apresentaram 2,5 vezes mais chances de exibir esses sinais do que aqueles que ingeriam de duas a três porções. “Encontramos um padrão muito mais forte do que em análises anteriores de cafeína ou flavonoides”, afirma Alberto Ascherio, professor de epidemiologia e nutrição em Harvard e coautor do estudo.
Segundo o pesquisador, entender esses indícios iniciais é crucial porque o Parkinson é uma doença silenciosa por mais de uma década. “Se você estuda apenas os pacientes diagnosticados, já está 10 ou 15 anos atrasado”, diz Ascherio. “Nosso objetivo foi buscar fatores de risco antes do aparecimento clínico da doença.” Embora o processamento de alimentos tenha sido historicamente útil para conservação, o estudo faz distinção entre isso e a lógica da indústria dos ultraprocessados, voltada à manipulação artificial de sabor, textura e durabilidade para fins comerciais.
“Esses produtos vão além da preservação. Estamos falando de uma reformulação industrial com aditivos, corantes, estabilizantes e emulsificantes para torná-los mais palatáveis e viciantes”, afirma Ascherio. A dúvida central, no entanto, permanece: será que esses alimentos causam o Parkinson ou apenas antecipam alterações que já estão em curso? Os pesquisadores reconhecem que não é possível estabelecer causalidade definitiva, mas destacam que a associação persiste mesmo quando a análise considera hábitos alimentares décadas antes dos sintomas.
Além disso, os autores ponderam se a relação estaria ligada a um efeito tóxico de certos compostos presentes nos ultraprocessados ou à falta de nutrientes protetores que seriam substituídos por esses produtos, como os presentes na dieta mediterrânea. A recomendação, embora não conclusiva, aponta para redução no consumo de ultraprocessados como medida de precaução, alinhada com as diretrizes para prevenção de outras doenças crônicas, como diabetes, demência e problemas cardiovasculares. O estudo foi financiado pelo Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e AVC dos EUA (NINDS/NIH) e pelo Departamento de Defesa norte-americano.
“Comer menos desses alimentos provavelmente não será suficiente para impedir o Parkinson, mas pode ajudar”, afirma Ascherio. “Hoje, o fator com evidência mais robusta para reduzir o risco da doença é a atividade física regular. Mas a alimentação saudável certamente está no mesmo caminho.”