Num cenário cada vez mais marcado por ruídos, confrontos e mal-entendidos, aprender a ouvir tornou-se uma das competências mais valiosas — e urgentes — do nosso tempo. A escuta ativa, longe de ser apenas uma técnica de comunicação, tem se consolidado como uma ferramenta poderosa para o diálogo construtivo, a mediação de conflitos e a convivência democrática. Na categoria das habilidades comportamentais e interpessoais que são valorizadas no mercado de trabalho, a escuta ativa é apontada inclusive como uma competência essencial para líderes que precisam lidar com diversidade de ideias, conflitos e construção de ambientes mais colaborativos.
Para o professor de Direito da Universidade Stanford, Norm Spaulding, um dos principais nomes no estudo da comunicação eficaz em contextos polarizados, o problema da comunicação não está apenas no que se diz — mas, sobretudo, no que não se ouve. “Todos nós podemos ver exemplos na vida pública em que conflitos e desacordos se tornam disfuncionais e arraigados, onde nenhum dos dois sequer escuta o outro”, afirma.
Uma escuta que vai além do ouvir
Spaulding, que também codirige o projeto ePluribus Stanford, dedicado à promoção do diálogo plural no campus, defende que a escuta ativa é mais do que prestar atenção às palavras. Trata-se de entender, com empatia e intenção, o que está sendo dito e por quê, principalmente em contextos de discordância. Inspirado por pesquisas das ciências sociais e por autores como Amanda Ripley, Spaulding alerta que, quando o conflito se transforma em uma batalha entre “nós e eles”, o cérebro reage de forma defensiva. O resultado? Julgamentos apressados, perda da curiosidade e uma tendência a interpretar tudo pela lente do viés de confirmação. “Não ouvimos com atenção, então entendemos mal. Quanto mais altos os riscos da conversa, mais profundos os mal-entendidos podem se tornar”, resume.
Os seis passos para escutar de verdade
Em suas oficinas e aulas, Spaulding ensina um roteiro prático para a escuta ativa, inspirado nas orientações do Center for Creative Leadership:
- Preste total atenção: Elimine distrações e ofereça presença real. Um gesto, um olhar, um aceno de cabeça — tudo comunica atenção.
- Suspender o julgamento: Evite interpretar com base em pressupostos. “As primeiras impressões podem estar erradas”, alerta o professor. Abrir espaço para o novo é abrir espaço para o outro.
- Faça uma pausa e reflita: Refletir é buscar, dentro de si, ecos da experiência do outro. É o ponto onde a empatia encontra a análise.
- Faça perguntas esclarecedoras: Em vez de responder com afirmações, aprofunde-se com perguntas abertas. “Quais são outros exemplos?” ou “Como você se interessou por esse assunto?” são bons começos.
- Resuma o que ouviu: Chamada de “looping”, essa prática consiste em parafrasear o que foi dito para confirmar se a mensagem foi realmente compreendida. É um gesto de validação — e de respeito.
- Compartilhe: Só depois de entender é que vem a sua vez de responder, aconselhar ou oferecer um ponto de vista. A escuta ativa cria espaço seguro para que a fala tenha mais efeito.
Aplicação prática: diálogo como aprendizado
Na prática, essas habilidades estão sendo aplicadas em programas como o Frosh 101, voltado a calouros de Stanford. Os co-líderes, que são os alunos mais experientes, recebem treinamento em escuta ativa para mediar discussões sobre identidade, pertencimento e diversidade de ideias. Nessas conversas, a escuta vira uma ponte entre vivências muito distintas.
Para Princess Ochweri, uma das líderes do programa, aprender a aplicar o looping foi essencial: “Quando os alunos compartilham experiências pessoais conosco, é fundamental entender genuinamente a perspectiva deles.” A líder Nifemi Bankole complementa: “Quando você suspende julgamentos e predisposições, se abre para uma compreensão verdadeira.”
O projeto ePluribus surgiu em 2021 com o intuito de treinar futuros advogados para lidar com visões divergentes – dentro e fora do tribunal. Mas rapidamente extrapolou a esfera jurídica e alcançou toda a universidade. “O ensino superior é um dos poucos espaços onde pessoas com crenças, histórias e ideias diferentes convivem de forma sustentada”, diz Spaulding. “Se conseguirmos fazer isso corretamente, podemos ser uma luz, não apenas um espelho da polarização que vemos lá fora.” A escuta ativa, portanto, não é apenas uma ferramenta de comunicação – é um antídoto contra o colapso do diálogo público e um convite à convivência civilizada em tempos de divisão.