O avanço acelerado da inteligência artificial está começando a pressionar líderes de gestão a repensarem funções, cargos e estratégias organizacionais. Embora ainda seja cedo para afirmar que empregos serão eliminados em larga escala, o impacto sobre a natureza do trabalho já é visível – especialmente em áreas tradicionalmente associadas à produtividade intelectual. Christopher Stanton, professor associado de Administração de Empresas na Harvard Business School e referência em estudos sobre trabalho e tecnologia, tem investigado o papel da IA na transformação do ambiente profissional. Ele leciona o curso Managing the Future of Work, voltado à formação de líderes capazes de antecipar e responder a rupturas como a que estamos vivendo agora.
Tarefas sob pressão, funções em redefinição
Stanton afirma que há uma sobreposição crescente entre as tarefas desempenhadas por profissionais de colarinho branco e aquelas que os sistemas de IA já são capazes de executar com eficiência. Essa convergência, segundo ele, impacta hoje cerca de 35% das atividades observadas em dados do mercado de trabalho – um sinal de que a transformação não é apenas teórica. “Acho que é muito cedo para dizer” se haverá cortes em massa de empregos administrativos, diz. Mas reconhece que a adoção acelerada dessas tecnologias, especialmente em startups e áreas como engenharia de software, já é evidente. “Grande parte do código para startups em estágio inicial agora está sendo escrito por IA. Quatro ou cinco anos atrás, isso não seria verdade.” Além da reconfiguração de tarefas, a IA também começa a influenciar a estrutura salarial dentro das empresas. Experimentos em contact centers demonstraram que trabalhadores de menor desempenho se beneficiam desproporcionalmente da introdução de ferramentas baseadas em IA, reduzindo a desigualdade de performance e nivelando resultados entre equipes.
A velocidade da adoção e os desafios para a liderança
Parte da dificuldade dos executivos em prever a magnitude da mudança está na velocidade com que a IA está sendo incorporada ao cotidiano das empresas. Em estudo desenvolvido com a Microsoft, Stanton observou que metade dos usuários com acesso à ferramenta começou a usá-la ativamente em curto prazo, especialmente para atividades como e-mails e análises rápidas. “Esta é provavelmente uma das tecnologias de difusão mais rápida que existe”, afirma.
Isso se deve a uma combinação de fatores: a evolução dos modelos de raciocínio por cadeia de pensamento – que reduzem erros em tempo real – e a popularização de ferramentas que permitem codificar e implantar software apenas com comandos em linguagem natural, sem necessidade de formação técnica avançada. Na prática, isso significa que áreas antes restritas a especialistas estão sendo redesenhadas para operar de forma mais horizontal e experimental. “Agora temos modelos que permitem que pessoas sem conhecimento especializado construam coisas e descubram o que podem construir e como fazer.”
Gestão de talentos: do planejamento à requalificação
Para líderes de gestão, o cenário reforça a necessidade de redesenhar estruturas e planos de carreira com foco em adaptabilidade. Stanton lembra que previsões anteriores sobre substituição de profissões pela IA falharam. Radiologistas, por exemplo, seguem em alta demanda, mesmo após anos de alertas de que seriam substituídos por algoritmos. “Eles estão fazendo mais. E um dos motivos é que o custo dos exames de imagem caiu.” A mensagem é clara: ferramentas que complementam o trabalho humano podem não apenas preservar postos de trabalho, mas multiplicá-los, desde que a função evolua junto com a tecnologia.
E quanto ao papel do governo?
Para o especialista, intervenções regulatórias ou restritivas terão impacto limitado, dada a agilidade com que a tecnologia se adapta e a competição entre empresas com e sem legado estrutural. “Minha inclinação pessoal é que os formuladores de políticas terão uma capacidade muito limitada de fazer qualquer coisa aqui, a menos que seja por meio de subsídios ou política tributária.” A expectativa é de que as respostas mais eficazes venham ex post, com redes de segurança e políticas de requalificação voltadas à adaptação – e não à contenção – da nova realidade.
No Brasil, gestores já sentem a pressão por requalificação
Relatório recente do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação aponta que 28% das empresas brasileiras com mais de 100 funcionários já utilizam algum tipo de IA, com destaque para automação de processos e atendimento. Na indústria, mais de 80% dos gestores acreditam que a IA exigirá requalificação de seus trabalhadores até 2030, segundo pesquisa do Senai. A urgência da gestão, portanto, não está apenas em acompanhar a evolução tecnológica, mas em garantir que estruturas, pessoas e processos acompanhem esse ritmo – sob o risco de ver a vantagem competitiva escorregar pelas mãos.