Com o envelhecimento da população, cresce o impacto silencioso do cuidado com idosos dentro das famílias. A situação atinge tanto a população com mais de 60 anos que recebe o diagnóstico de uma doença, como todos os familiares. Um novo estudo da Universidade de Michigan revela que cerca de 26% das famílias imediatas de idosos nos Estados Unidos incluem ao menos um membro com demência, o que frequentemente leva parentes a assumirem papéis inesperados de cuidado. Esse número sobe para 37% quando se considera a família extensa — incluindo irmãos, cunhados e netos. No total, cerca de 21% dos americanos com 65 anos ou mais vivem com demência.
“Descobrimos que um número substancial de famílias é potencialmente afetado pela experiência de ter um parente com demência”, diz Esther Friedman, professora associada do Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Michigan. Segundo ela, a lacuna de dados sobre a dimensão familiar da demência dificultava a criação de políticas públicas de apoio e estratégias para os cuidadores. O estudo, financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) – principal agência do governo federal dos Estados Unidos responsável pela pesquisa biomédica e de saúde pública – chama atenção para o fato de que os cuidados, muitas vezes invisíveis, começam bem antes de a família formalmente assumir esse papel — como ao mudar de casa para ficar mais próximo dos pais, alterar a jornada de trabalho ou rever planos financeiros.
Pesquisas indicam que as redes de cuidadores que auxiliam idosos com demência são geralmente maiores e mais propensas a incluir familiares. Mesmo que alguns familiares sejam menos propensos a atuar como cuidadores diretos, ter um parente com demência ainda pode afetá-los. E essa realidade está longe de ser exclusiva dos EUA.
No Brasil, as famílias são a linha de frente
De acordo com um levantamento divulgado em dezembro de 2023 pelo Hospital Alemão Oswaldo Cruz, entre 73% e 81% dos custos com demência no Brasil são arcados diretamente pelas famílias. Os dados mostram que o sistema público e os planos de saúde oferecem suporte limitado para esse tipo de cuidado contínuo — que inclui desde assistência pessoal até medicamentos, alimentação especial, transporte e adaptações no lar. O levantamento também aponta que os cuidadores dedicam, em média, mais de 10 horas por dia ao cuidado de uma pessoa com demência.
E quem são esses cuidadores? A maioria são mulheres (86%), muitas vezes filhas ou esposas, que atuam sem remuneração, com impactos diretos na saúde física, mental e nas finanças pessoais. “Com o envelhecimento da população, é cada vez mais importante entender como fazer parte de uma rede familiar afetada por demência influencia a vida das pessoas, das famílias e da sociedade”, afirma Friedman.
O estudo da Universidade de Michigan também destaca a necessidade dos sistemas de saúde considerarem toda a rede de potenciais cuidadores – mesmo aqueles que ainda não prestam cuidados diretos – para antecipar riscos e oferecer suporte adequado. Uma das sugestões é que médicos de atenção primária passem a perguntar se os pacientes convivem com parentes com demência, como forma de identificar cuidadores em potencial e seus níveis de sobrecarga. Com novos esforços para integrar o cuidado aos pacientes com o suporte aos seus cuidadores, Friedman acredita que a política pública e os sistemas de saúde precisarão olhar para além do paciente – e enxergar a estrutura familiar como parte fundamental do tratamento e da prevenção de colapsos sociais e econômicos causados pela doença.