Em um mundo corporativo cada vez mais voltado à alta performance, à gestão de talentos e à liderança baseada em dados, entender o que realmente influencia o desempenho cognitivo e comportamental é essencial. Um novo estudo interdisciplinar desafia a noção de que as chamadas “funções executivas” — como controle inibitório, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva — sejam universais ou inatas. As descobertas sugerem que essas capacidades, frequentemente usadas como referência em avaliações de potencial e produtividade, podem estar mais ligadas à exposição à educação formal do que se imaginava. Para líderes empresariais, essa nova perspectiva exige uma reflexão profunda sobre como avaliamos habilidades, treinamos equipes e lidamos com a diversidade cultural e educacional nas organizações.
Uma nova luz sobre um velho conceito
As chamadas funções executivas — processos mentais superiores que regulam pensamentos e comportamentos — são amplamente consideradas uma base cognitiva essencial para o sucesso acadêmico e profissional. Há décadas, elas são avaliadas por meio de testes padronizados utilizados em todo o mundo, sendo inclusive incorporadas em parâmetros de desenvolvimento infantil. No entanto, uma pesquisa recente publicada na Proceedings of the National Academy of Sciences propõe uma reavaliação desse entendimento. O estudo comparou crianças em contextos escolares e não escolares de três regiões culturalmente distintas: Reino Unido, Bolívia e a região de Kunene (entre Namíbia e Angola). Os resultados desafiam a ideia de que essas funções cognitivas sejam universais e revelam um forte vínculo entre o desempenho nesses testes e a vivência escolar formal.
Educação formal como fator crítico de desempenho
“Quase toda a pesquisa sobre desenvolvimento cognitivo é feita com crianças que vivem em um mundo escolarizado”, explica Joseph Henrich, professor de Biologia Evolutiva de Harvard e líder do estudo. Em Kunene, os pesquisadores encontraram um contexto ideal para um “experimento natural”, com comunidades que apresentam diferentes níveis de acesso à educação formal. Ao comparar as crianças dessas comunidades, ficou claro que o desenvolvimento das chamadas funções executivas ocorre principalmente onde há escolarização. Henrich ressalta que o que chamamos de função executiva pode ser, na verdade, uma habilidade culturalmente construída e altamente alinhada às exigências do ambiente escolar — como memorizar listas de palavras ou seguir instruções abstratas. “Nosso entendimento sobre cognição pode estar mais enraizado na experiência escolar do que em uma característica humana universal”, afirma.
O que isso significa para líderes e organizações
Essa constatação é particularmente relevante para gestores e líderes empresariais. Em processos de seleção, programas de desenvolvimento de liderança ou avaliações de desempenho, muitas vezes utilizamos métricas ou critérios que, sem perceber, favorecem perfis com maior exposição à cultura escolar ocidental — especialmente nas áreas urbanas e desenvolvidas. Isso pode limitar a diversidade cognitiva nas equipes e deixar de reconhecer talentos com potenciais expressivos, mas moldados por outras vivências e formas de aprendizagem. Além disso, o estudo reforça a importância de repensar como treinamos nossas equipes. Ao expandir o conceito de capacidade cognitiva para além dos moldes tradicionais, abrimos espaço para métodos de aprendizagem mais inclusivos, práticos e alinhados à realidade de diferentes públicos.
A função executiva como construção cultural
Ivan Kroupin, principal autor do artigo e atualmente na London School of Economics, afirma que o termo “função executiva” deveria ser usado com mais precisão. “As capacidades que essas tarefas exigem são em parte universais, mas também em parte específicas da cultura, potencialmente vinculadas à educação formal ou a outras instituições e experiências urbanas”, destaca. Ou seja, não se trata de negar a existência das funções executivas, mas de compreender que os testes tradicionais medem um conjunto de competências que podem não ser equivalentes ou relevantes em todos os contextos. Um exemplo citado por Henrich ilustra bem essa diferença: crianças em comunidades não escolarizadas mostraram excelente memória e atenção ao diferenciar vacas — um conhecimento vital em seu ambiente. Já crianças urbanas dificilmente teriam o mesmo desempenho nessa tarefa, mesmo apresentando bons resultados em testes tradicionais.
Uma nova lente para avaliar talento e potencial
Essa nova visão propõe que líderes empresariais adotem uma abordagem mais crítica e culturalmente sensível ao avaliar competências, especialmente em contextos globais, multiculturais ou em iniciativas de inclusão e diversidade. Ao entender que a cognição é, em grande parte, moldada pela cultura e pela experiência, abrimos espaço para valorizar formas distintas de inteligência e desempenho Aspectos fundamentais para a inovação e a adaptabilidade organizacional.