A morte é uma das poucas certezas que carregamos ao longo da vida. Mesmo assim, o tema é temido e evitado por muitos, como apontado pelos filósofos Michel Eyquem de Montaigne e Arthur Schopenhauer. Montaigne, filósofo renascentista e escritor erudito francês, em seus ensaios destaca a imprevisibilidade da morte e como isso a torna um tema difícil de encarar. Schopenhauer, por sua vez, filósofo alemão do século XIX, em seu livro “O Mundo como Vontade e Representação”, aponta que o medo da morte é um reflexo da vontade de viver, pois a humanidade teme a extinção.
O fato é que a morte é um evento inevitável e que todos precisam enfrentar. E em algum momento, após o ocorrido ou previamente, se faz necessário tomar decisões sobre como será a despedida. Durante décadas, as opções se restringiram basicamente ao enterro ou à cremação. Porém, não é de hoje que novas alternativas começaram a ganhar espaço, impulsionadas por questões ambientais e pela busca por métodos mais sustentáveis. É o caso da aquamação, uma técnica que utiliza água e compostos alcalinos para acelerar a decomposição do corpo, com impactos ambientais significativamente menores do que os processos convencionais.
Diante das crescentes preocupações ambientais, a aquamação surge como uma opção ecológica para os rituais de despedida. Também chamada de hidrólise alcalina, essa técnica utiliza uma solução de água e agentes alcalinos para acelerar a decomposição do corpo, reduzindo significativamente o impacto ambiental associado aos métodos tradicionais. No processo de aquamação, o corpo é colocado em um recipiente pressurizado contendo água aquecida e substâncias alcalinas, como o hidróxido de potássio. Em cerca de três a quatro horas, os tecidos são decompostos, restando apenas os ossos, que são posteriormente pulverizados em um pó branco semelhante às cinzas da cremação.
Vantagens ambientais
Comparada à cremação tradicional, a aquamação consome até 90% menos energia e não emite gases tóxicos ou dióxido de carbono na atmosfera. Além disso, evita o uso de caixões de madeira e a contaminação do solo por substâncias químicas presentes em embalsamamentos. Embora o Brasil ainda não possua uma legislação específica que regulamente o uso da aquamação, algumas empresas funerárias já oferecem o serviço. É o caso da Funerária San Matheus, em Brasília, e do Grupo Maya, em São Paulo, que se posicionam como pioneiras na introdução desse método sustentável no país.
Desafios e perspectivas
A cremação por hidrólise não é apenas uma alternativa à incineração, é também um avanço tecnológico inspirado na própria natureza. Ainda que envolta em controvérsias culturais e religiosas, sua história remonta ao século XIX, quando a técnica foi inicialmente utilizada para dissolver restos de animais com hidróxido de potássio, em processos industriais de fabricação de fertilizantes e gelatina. No meio científico, o método passou a ganhar tração a partir da década de 1990, especialmente nos Estados Unidos, quando instituições como o Albany Medical College passaram a adotá-lo para o descarte de animais usados em pesquisas laboratoriais. Em humanos, a primeira aplicação reconhecida ocorreu apenas em 2006, com fins anatômicos e acadêmicos, conduzida pela Mayo Clinic, no estado de Minnesota.
Hoje, embora legalizada apenas em alguns estados norte-americanos e regiões do Canadá, a técnica é usada predominantemente em universidades, como a da Califórnia, onde os corpos doados à ciência são submetidos à hidrólise após os estudos, sempre com a anuência prévia dos familiares. Entre os principais apelos da comunidade científica para legalizar o procedimento estão a eficiência energética, a baixa emissão de gases de efeito estufa — cerca de 80% menos CO₂ do que a cremação convencional — e a eliminação de riscos ambientais como contaminação do solo e liberação de metais pesados, como o mercúrio, durante a queima.
No entanto, o método ainda enfrenta barreiras significativas. Um dos principais impasses é o descarte do líquido orgânico residual, um concentrado marrom e espesso gerado ao final do processo. Embora composto majoritariamente por aminoácidos, açúcares e sais — similares aos líquidos formados naturalmente na decomposição —, seu pH elevado ultrapassa os limites permitidos para descarte em redes públicas de esgoto, o que levanta dúvidas sobre impactos no sistema de saneamento e exige neutralização prévia.
Ainda assim, especialistas apontam que os resíduos podem ser encaminhados a empresas especializadas em descarte de material orgânico, como já ocorre em outros setores industriais. Ademais, a quantidade de água usada por procedimento, cerca de 300 litros, é vista como simbólica se comparada ao consumo diário das estações de tratamento de água — argumento que desmonta uma das críticas recorrentes sobre o suposto desperdício hídrico da prática.
Um estudo conduzido pela TNO, organização científica holandesa independente, comparou os impactos ambientais das principais técnicas funerárias — enterro, cremação por incineração, hidrólise alcalina e cryomation (processo emergente de crioconservação e fragmentação). A cremação por hidrólise demonstrou desempenho ambiental notavelmente superior, com demanda energética e de recursos naturais significativamente menor. Segundo o estudo, enquanto o enterro tradicional consome o equivalente a 85 euros em recursos naturais por cerimônia, a hidrólise se mantém próxima a zero, graças à durabilidade dos equipamentos e ao reuso de insumos como metais e tecidos.
Embora a ideia de dissolução em água possa parecer desconfortável para parte da população, seus defensores argumentam que o processo é uma simulação acelerada da decomposição natural. E mais: por não exigir embalsamamento, tanatopraxia ou caixões elaborados, a técnica representa um adeus “mais limpo” ao planeta, e convida a sociedade a repensar seus rituais e crenças diante da finitude.