Aos 30 anos, Ann Johnson era a imagem da vitalidade: professora de matemática e educação física, treinadora de equipes esportivas em Saskatchewan, no Canadá, recém-casada e mãe de um bebê de um ano. Tudo mudou abruptamente quando, durante um aquecimento para uma partida de vôlei com amigos, Ann sofreu um raro derrame no tronco cerebral. O incidente a deixou em uma condição conhecida como síndrome do encarceramento: completamente consciente, mas sem controle sobre seus músculos. Ann perdeu a capacidade de se mover e de falar, presa dentro de seu próprio corpo, incapaz de expressar a personalidade comunicativa e alegre que ainda habitava seu interior.
Dezoito anos depois, Ann finalmente ouviu sua própria voz novamente. Graças ao trabalho conjunto de pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley (UC Berkeley) e da Universidade da Califórnia em San Francisco (UCSF). Uma tecnologia emergente de interface cérebro-computador permitiu que Ann se comunicasse de maneira mais natural, reacendendo uma parte fundamental de sua identidade. O projeto nasceu de uma década de pesquisa liderada por Gopala Anumanchipalli, professor assistente de engenharia elétrica e ciências da computação na UC Berkeley, e Edward Chang, neurocirurgião da UCSF. A pergunta que motivou a equipe era simples, mas desafiadora: como o cérebro transforma pensamentos em fala?
Uma nova rota para a fala
Ao investigar a atividade cerebral ligada à produção da linguagem, os cientistas conseguiram desenvolver modelos computacionais capazes de interpretar sinais diretamente da região cerebral responsável pela fala — contornando, assim, o bloqueio físico causado pela paralisia. A interface usada no estudo consiste em um implante colocado sobre o córtex da fala. O dispositivo capta os sinais neurais de Ann enquanto ela tenta falar. Esses sinais são então traduzidos em palavras e sons por um modelo de inteligência artificial, devolvendo a ela uma voz que ela não ouvia há quase duas décadas.
De pensamentos a palavras
No processo de reabilitação, Ann participou de sessões em que lia mentalmente frases apresentadas em uma tela. Embora seu corpo não pudesse executar os movimentos necessários para falar, seu cérebro ainda gerava os sinais correspondentes. O sistema, treinado para reconhecer essas tentativas de fala, convertia o padrão neural em texto, áudio e movimentos faciais de um avatar digital.
Para dar ainda mais autenticidade à comunicação, os pesquisadores utilizaram uma gravação do discurso de casamento de Ann para recriar o timbre de sua voz. Ela também pôde escolher seu próprio avatar — uma representação gráfica que movimenta a boca e expressa emoções como sorrisos e caretas durante a fala. No início do ensaio clínico, em 2022, o sistema ainda apresentava atrasos de cerca de oito segundos entre o pensamento e a fala do avatar. Mas avanços recentes reduziram esse tempo para apenas um segundo, aproximando a experiência do ritmo natural da conversação. “Agora trabalhamos com uma arquitetura de streaming, muito parecida com a forma como falamos na vida real, sem precisar formular uma frase inteira antes de dizê-la”, explicou Anumanchipalli.
Rumo a um futuro mais acessível
Apesar dos avanços, a fala sintetizada ainda não é totalmente fluida. O tom é levemente robótico, e o avatar, embora semelhante, não é perfeitamente fotorrealista. No entanto, os pesquisadores acreditam que em poucos anos será possível criar clones digitais realistas, permitindo que pessoas como Ann tenham representações virtuais altamente fiéis de si mesmas para interagir no trabalho e na vida social. Além disso, a equipe está trabalhando para que os implantes sejam sem fio, eliminando a necessidade de conexão direta a computadores durante a comunicação — um passo importante para tornar a tecnologia prática e acessível no cotidiano.
Embora Ann tenha removido seu implante em fevereiro de 2024, por razões não relacionadas ao estudo, ela permanece em contato próximo com a equipe, oferecendo feedbacks detalhados sobre a experiência. Ela relatou que ouvir sua própria voz novamente foi profundamente emocionante e que a comunicação em tempo real lhe deu uma sensação renovada de controle. Agora, Ann planeja usar sua experiência para inspirar outros. Ela pretende se tornar conselheira em uma clínica de reabilitação física, mostrando a pacientes recém-lesionados que uma vida plena continua sendo possível após uma perda súbita de habilidades motoras.
“Quero que os pacientes estejam lá para me ver e saibam que suas vidas não acabaram”, escreveu Ann à equipe de pesquisadores. “As deficiências não precisam nos parar ou nos atrasar.” O projeto simboliza não apenas o renascimento da voz de uma mulher, mas também a promessa de um futuro mais inclusivo, onde as barreiras físicas à comunicação possam ser superadas pela tecnologia e pela persistência humana.