As palavras moldam a realidade. Elas determinam como enxergamos o mundo, interpretamos os desafios e definimos onde agir. Entre as mudanças no início do novo governo dos Estados Unidos, uma escolha lingüística se destaca: a substituição de “mudança climática” por “resiliência” nos documentos oficiais. Mais do que uma simples alteração terminológica, trata-se de um realinhamento estratégico que redefine prioridades. Ao mudar as palavras, também mudamos a direção da ação. Essa decisão desloca o foco: em vez de combater as causas da crise climática, passa-se a privilegiar a adaptação às suas consequências. Mas podemos nos dar ao luxo de apenas resistir, sem transformar?
O peso da narrativa
A forma como falamos sobre o clima revela muito sobre nosso compromisso com o futuro. “Mudança climática” exige transformação. “Resiliência” sugere adaptação. O dilema não é meramente semântico, mas estrutural: queremos resolver o problema ou apenas suportá-lo? A realidade é que não se trata de uma escolha entre adaptação e mitigação — ambas são necessárias. No entanto, construir diques mais altos e redes elétricas mais resistentes não pode ser a única resposta. Precisamos enfrentar a raiz do problema.
Resiliência ou adiamento da solução?
Nos Estados Unidos, estados como a Flórida e a Califórnia estão investindo bilhões para reduzir riscos climáticos e fortalecer infraestrutura contra eventos extremos. A Flórida já alocou US$ 1,8 bilhão para conter enchentes e proteger áreas costeiras. Na Califórnia, eleitores aprovaram um financiamento histórico de US$ 10 bilhões para fortalecer a resiliência climática. Porém, a maioria desses investimentos foca na contenção de danos, não na prevenção da crise.
E o Brasil? Aqui, os desafios são ainda maiores. O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima é uma iniciativa relevante, mas entraves políticos e financeiros dificultam avanços em larga escala. A retirada de US$ 500 milhões dos EUA de projetos socioambientais no Brasil reflete essa instabilidade e expõe a fragilidade da agenda climática no país.
Crise e oportunidade
A crise climática não é apenas uma questão ambiental; é um risco econômico real. O Global Risks Report 2025 do WEF e o Top Risks 2025 do Eurasia Group alertam para os impactos dos eventos climáticos extremos, das mudanças abruptas em políticas ambientais e da volatilidade dos mercados globais. Empresas que ignorarem essa realidade pagarão um preço alto. Já aquelas que investirem em soluções sustentáveis estarão na vanguarda da nova economia. Setores como energia renovável, tecnologia climática e infraestrutura resiliente estão se tornando essenciais. Inteligência artificial e big data estão revolucionando a gestão de riscos, enquanto tecnologias como captura e armazenamento de carbono (CCS) e biocombustíveis ganham força. A economia circular e o uso de materiais sustentáveis estão redefinindo as regras do jogo global.
O que está em jogo
A troca de “mudança climática” por “resiliência” pode parecer um detalhe burocrático, mas tem um impacto profundo. Essa alteração de discurso pode sinalizar um desvio da urgência necessária para enfrentar o problema. A resiliência é fundamental, mas não pode ser uma desculpa para adiar mudanças estruturais. A transição para uma economia sustentável exige decisão e coragem. Não basta reforçar as paredes contra a tempestade — precisamos reconstruir as fundações. Porque ignorar metade do problema é perder de vista a solução.
Fonte: Roberta Cipoloni Tiso é Diretora de Sustentabilidade e Comunicação da Green4T, coordena o Grupo de Desenvolvimento Sustentável da Associação Internacional de Transporte Público (UITP, da sigla em inglês) e é Advisory Board da Neo Mondo. Tem formação em Marketing, Gestão Estratégica e Econômica, é pós-graduada em Finanças e possui o título de Chief Sustainability Officer pelo MIT – Estadão