O sistema agroalimentar global — que conecta todas as etapas, do campo ao prato — está sob forte pressão. Crescimento populacional, urbanização e degradação ambiental sobrecarregam essa rede, que, além de demandar enormes recursos, também responde por uma parcela significativa das emissões de gases de efeito estufa (GEE). E há um vilão silencioso nesse cenário: o desperdício de alimentos. Quase um terço de tudo o que é produzido no mundo nunca chega a ser consumido. O impacto não é apenas social e econômico — é ambiental. Cada quilo de comida jogado fora carrega consigo o desperdício de água, solo, energia e combustível. “Quando terminam de comer, as pessoas simplesmente jogam fora o que sobrou, sem pensar no que acontece depois. Mas, do ponto de vista ambiental, isso importa — e muito”, alerta Zhengxia Dou, professora de sistemas agrícolas na Universidade da Pensilvânia.
Ao lado de outros pesquisadores, Dou analisou dados de 91 estudos realizados em 29 países. O trabalho, publicado na Nature Food, mostra que a gestão correta dos resíduos alimentares tem potencial para reduzir drasticamente as emissões de metano — gás que aquece a atmosfera mais de 80 vezes do que o CO₂, num horizonte de 20 anos. O problema é que hoje a maior parte desses resíduos vai parar em aterros sanitários, verdadeiros “amplificadores biológicos”, como define Dou. Ali, a decomposição de restos de comida ocorre de forma anaeróbica, gerando metano em grande escala.
O que fazer com o lixo orgânico?
O estudo aponta três caminhos eficientes e comprovados:
- Compostagem, que transforma resíduos em adubo rico em nutrientes;
- Digestão anaeróbica, que gera biogás (mistura de metano e CO₂) usado como fonte de energia limpa;
- Realimentação, que reaproveita restos adequados para ração animal, poupando grãos e recursos agrícolas.
Ao simular um cenário em que Estados Unidos, União Europeia e China — responsáveis por volumes massivos de resíduos e GEE — eliminassem o envio de alimentos para aterros, as emissões caem de forma expressiva. Só nos EUA, o impacto seria equivalente a neutralizar o metano gerado por quase 9 milhões de vacas leiteiras, ou mais de 90% da população nacional desses animais.
Economizar terra, água e fertilizantes
Entre as três alternativas, a que mais entusiasma Dou é a realimentação. Além de evitar emissões, ela reduz drasticamente a necessidade de produzir milho e soja para ração animal. No caso da China, por exemplo, mais de 5% da área hoje destinada ao cultivo desses grãos poderia ser poupada se parte dos resíduos fosse transformada em alimento para animais. Isso abriria espaço para produzir alimentos diretamente para consumo humano ou até destinar áreas à regeneração ambiental. A pesquisa também ressalta que, especialmente na Europa e na Ásia — onde muitos países dependem da importação de ração —, essa estratégia reduz vulnerabilidades e custos.
Uma mudança que começa na sua cozinha
“A compostagem, a digestão anaeróbica e a realimentação são soluções de baixo custo, altamente eficazes e já validadas em campo”, reforça Dou. “A mudança precisa acontecer em escala, com políticas públicas, mas também dentro de casa.” Para ela, a responsabilidade é compartilhada. “Todos participamos do sistema agroalimentar. Todos somos parte do problema — e, portanto, da solução.”