Pesquisadores da Universidade de Cambridge desenvolveram um dispositivo que permite que qualquer pessoa, com ou sem treinamento médico, registre com facilidade e precisão os batimentos cardíacos. Diferentemente de um estetoscópio, o dispositivo funciona bem mesmo se não for colocado precisamente no peito: sua área de detecção maior e flexível ajuda a capturar os sons do coração de forma mais clara do que os estetoscópios tradicionais. O dispositivo também pode ser usado sobre a roupa, tornando-o mais confortável para os pacientes – especialmente mulheres – durante exames de rotina ou programas comunitários de triagem de saúde cardíaca.
As gravações dos batimentos podem ser salvas no dispositivo, que pode então ser usado para detectar sinais de doença da válvula cardíaca. Os pesquisadores também estão desenvolvendo um algoritmo de aprendizado de máquina que pode detectar sinais de doença da válvula automaticamente. Os resultados são relatados no IEEE Journal of Biomedical and Health Informatics, revista acadêmica que publica artigos originais sobre avanços na área de informática biomédica e da saúde.
A doença da válvula cardíaca (doença cardíaca valvular ou VHD) tem sido chamada de “próxima epidemia cardíaca”, com um prognóstico pior do que muitas formas de câncer. Até 50% dos pacientes com VHD significativa permanecem sem diagnóstico, e muitos pacientes só vão ao médico quando a doença já está avançada e eles estão passando por complicações significativas. No Reino Unido, o NHS e o NICE identificaram a detecção precoce da doença da válvula cardíaca como uma meta fundamental, tanto para melhorar a qualidade de vida dos pacientes quanto para diminuir custos.
Um exame com estetoscópio, ou ausculta, é a maneira como a maioria dos diagnósticos de doença da válvula cardíaca são feitos. No entanto, apenas 38% dos pacientes que se apresentam ao seu GP com sintomas de doença da válvula recebem um exame com estetoscópio. “Os sintomas da VHD podem ser facilmente confundidos com certas condições respiratórias, razão pela qual tantos pacientes não recebem um exame de estetoscópio”, afirma o professor Anurag Agarwal do Departamento de Engenharia de Cambridge, que liderou a pesquisa. “No entanto, a precisão do exame de estetoscópio para diagnosticar a doença da válvula cardíaca é bastante baixa, e requer um GP para conduzir o exame.”
Além disso, um exame com estetoscópio exige que os pacientes retirem as roupas parcialmente, o que consome tempo em consultas curtas com o clínico geral e pode ser desconfortável para os pacientes, principalmente para as mulheres em programas de triagem de rotina. O “padrão ouro” para diagnosticar doenças da válvula cardíaca é um ecocardiograma, mas ele só pode ser feito em um hospital e as listas de espera do NHS são extremamente longas em muitos hospitais.
“Para ajudar a diminuir as listas de espera e garantir que estamos diagnosticando a doença da válvula cardíaca cedo o suficiente para que intervenções simples possam melhorar a qualidade de vida, queríamos desenvolver uma alternativa ao estetoscópio que fosse fácil de usar como ferramenta de triagem”, disse Agarwal. Foi assim que nasceu o dispositivo portátil, com o diâmetro de um porta-copos e que pode ser usado por qualquer profissional de saúde para registrar sons cardíacos com precisão. Com a vantagem de que pode ser usado por cima da roupa.
Enquanto um estetoscópio comum ou eletrônico tem um único sensor, o dispositivo desenvolvido em Cambridge tem seis, o que significa que é mais fácil para o médico ou enfermeiro — ou mesmo alguém sem qualquer treinamento médico — obter uma leitura precisa, simplesmente porque a área de superfície é muito maior. O dispositivo contém materiais que podem transmitir vibração para que possa ser usado sobre roupas, o que é particularmente importante ao conduzir programas de triagem comunitária para proteger a privacidade do paciente. Entre cada um dos seis sensores há um gel que absorve a vibração, para que os sensores não interfiram uns com os outros.
Os pesquisadores testaram o dispositivo em participantes saudáveis com diferentes formas e tamanhos corporais e registraram seus sons cardíacos. Os próximos passos serão testar o dispositivo em um ambiente clínico em uma variedade de pacientes, contra resultados de um ecocardiograma. Paralelamente ao desenvolvimento do dispositivo, os pesquisadores desenvolveram um algoritmo de aprendizado de máquina que pode usar os sons cardíacos gravados para detectar sinais de doença valvar automaticamente. Os primeiros testes do algoritmo sugerem que ele supera os GPs na detecção de doença valvar cardíaca. Além de ser uma ferramenta útil para triagem de pacientes que aguardam um ecocardiograma, pode agilizar o diagnóstico e permitir que aqueles com sinais de doença valvar comecem a ser atendidos em um hospital o quanto antes. “Se for bem-sucedido, este dispositivo pode se tornar uma solução acessível e escalável para triagem de saúde cardíaca, especialmente em áreas com recursos médicos limitados”, conclui Agarwal.