O número crescente de diagnósticos de autismo tem levado muitos a acreditar que estamos diante de uma “epidemia”. No entanto, segundo Ari Ne’eman, professor assistente de Política e Gestão de Saúde da Harvard T.H. Chan School of Public Health, essa percepção não reflete necessariamente a realidade.
Em artigo publicado em 30 de setembro no portal STAT, Ne’eman — referência em políticas públicas voltadas ao autismo e à deficiência — explicou que as principais razões para o aumento dos diagnósticos estão relacionadas a mudanças nos critérios de definição do autismo e ao maior acesso à avaliação médica, e não a um crescimento real na incidência da condição.
De acordo com estimativas do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), uma em cada 31 crianças de oito anos nos Estados Unidos foi diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA) em 2022. Em 2000, a taxa era de uma em cada 150. Apesar do salto expressivo, Ne’eman alerta que o número reflete, em grande parte, mudanças na forma como os transtornos mentais são classificados e compreendidos.
Décadas atrás, muitas pessoas que hoje seriam enquadradas no espectro autista recebiam outros diagnósticos, como “deficiência intelectual”. Com os avanços na pesquisa e a atualização dos critérios presentes no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), da Associação Americana de Psiquiatria, houve uma reclassificação significativa. Essa mudança fez com que muitos casos passassem a ser identificados como autismo, em vez de outras deficiências cognitivas.
O professor também destacou que, enquanto os diagnósticos de autismo aumentaram, outros tipos de diagnósticos — como dificuldades de aprendizagem e deficiência intelectual — diminuíram. Esse movimento sugere que parte do crescimento é resultado de uma “substituição diagnóstica”, e não de uma verdadeira elevação na prevalência da condição.
Outro ponto crucial, segundo Ne’eman, é a expansão do acesso ao diagnóstico. Em décadas anteriores, famílias de baixa renda e grupos raciais e étnicos minoritários tinham menos acesso a avaliações especializadas. O avanço de políticas públicas e maior conscientização sobre o espectro autista permitiram que essas populações também fossem diagnosticadas — o que, por si só, contribuiu para o aumento das estatísticas.
Ne’eman aproveitou ainda para criticar medidas recentes do governo norte-americano. Ele argumenta que a administração Trump agravou o cenário ao propor cortes em programas federais voltados ao apoio de pessoas com autismo e outras deficiências, o que pode dificultar o acesso a serviços essenciais para essas comunidades.
Para o especialista, compreender as verdadeiras causas por trás do aumento dos diagnósticos é fundamental para combater estigmas e formular políticas públicas eficazes. “Não estamos enfrentando uma epidemia de autismo”, resume. “Estamos apenas aprendendo a reconhecer melhor o que sempre existiu.”