De acordo com uma nova pesquisa da Escola de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia, publicada na Nature Communications, o óxido nitroso, mais conhecido como “gás hilariante”, pode, sim, transformar o tratamento para depressão. No estudo, o gás anestésico centenário foi testado em camundongos e atingiu células cerebrais específicas reduzindo rapidamente os sintomas. “Eu me senti como Indiana Jones, voltando no tempo para desvendar o mistério deste medicamento ancestral”, afirmou o professor assistente de Anestesiologia e Terapia Intensiva, Joseph Cichon lembrando que o óxido nitroso é o anestésico mais antigo que temos — é usado em todo o mundo há mais de 180 anos, custa cerca de US$ 20 por cilindro e, no entanto, ainda possui propriedades desconhecidas.
Descobrindo o Mecanismo Oculto
Descoberto pela primeira vez por seus efeitos vertiginosos e estimulantes do humor (daí o apelido de “gás hilariante”), o óxido nitroso era um anestésico de uso corrente no século XIX. Durante anos, foi amplamente compreendido que ele atuava bloqueando certos receptores (chamados receptores NMDA), presentes em quase todas as células cerebrais e que desempenham um papel importante na comunicação entre elas, especialmente no controle da dor. A equipe de Cichon, no entanto, descobriu algo diferente; após centenas de experimentos e um processo de eliminação, eles se concentraram em um grupo de células cerebrais chamadas neurônios da camada 5, que se encontram profundamente na substância cinzenta do cérebro, em uma área chamada córtex cingulado, ajudando a regular emoções e comportamentos. “Estávamos tentando desvendar os segredos desses neurônios da camada 5”, disse Cichon. “Isso não fazia parte das antigas suposições sobre o óxido nitroso — e está virando de cabeça para baixo o que achávamos que sabíamos.”
Um chamado para despertar o cérebro
A equipe da Penn, em colaboração com pesquisadores da Universidade de Chicago e da Universidade de Washington em St. Louis, testou o óxido nitroso em camundongos expostos a condições estressantes. Após respirarem o gás por uma hora através de máscaras, os neurônios L5 dos camundongos ganharam vida em minutos. “A maioria dos anestésicos acalma o cérebro, e então os efeitos desaparecem”, explicou Cichon. “Mas este aciona um interruptor: essas células começam a disparar loucamente e continuam ativas mesmo depois que o gás acaba. Foi uma surpresa total.”
Os camundongos rapidamente demonstraram sinais de melhora, movimentando-se mais e bebendo água doce, uma versão camundonga de aproveitar a vida. Esses efeitos duraram horas e, às vezes, um dia inteiro. Existem poros nas células cerebrais (neurônios L5), chamados canais de potássio ou canais SK2, que permitem que os íons de potássio fluam para fora das células e as “acalmem”. O gás nitroso bloqueia esses canais, acelerando as células e despertando também as células vizinhas. O bloqueio desses canais SK2 mantém as células cerebrais ativas, o que melhora rapidamente o humor — uma nova maneira do gás hilariante combater a depressão. Ao contrário da antiga teoria NMDA, este é um novo mecanismo que pode explicar por que o óxido nitroso ajuda pessoas com depressão resistente a outros tratamentos.
Potencial
Cerca de uma em cada três pessoas com depressão não responde aos medicamentos antidepressivos típicos, que podem levar semanas para fazer efeito — se é que funcionam. O óxido nitroso age rapidamente e permanece no corpo por mais tempo do que seus cinco minutos de permanência sugerem. Testes em humanos liderados por Peter Nagele, Dr., professor da Universidade de Chicago, e Charles Zorumski, Dr., professor da Universidade de Washington em St. Louis, ambos autores do estudo, já demonstraram que ele pode aliviar os sintomas rapidamente em pessoas com depressão resistente ao tratamento.
O problema? Não é um comprimido que pode ser tomado em casa. A pessoa precisa marcar uma consulta e se deslocar para consultar um profissional médico treinado para administrar o gás com dosagem antidepressiva. Possíveis efeitos colaterais incluem sensação de claustrofobia devido à máscara e náusea devido ao gás. Mas, olhando para o futuro, Cichon vê possibilidades maiores: “Se conseguirmos descobrir como ativar esses canais de potássio diretamente no cérebro, os cientistas poderão desenvolver novos medicamentos antidepressivos inspirados neste gás.”
Futuro
Esta descoberta não se refere apenas ao óxido nitroso — trata-se de aprender com um fármaco que se pensava ser totalmente compreendido. “Usamos esse fármaco todos os dias em todo o mundo, mas ele ainda tem segredos para compartilhar”, disse Cichon. Os próximos passos incluem determinar quanto tempo a melhora do humor poderia durar em camundongos e se o óxido nitroso poderia ajudar a reprogramar o cérebro para um alívio duradouro. Se confirmado, um medicamento em uso há mais de 180 anos pode trazer esperança renovada para aqueles que lutam contra a depressão.