Pacientes com doenças de difícil diagnóstico, como a síndrome do intestino irritável ou a COVID longa (persistente ou crônica), se sentem desamparados quando, após vários exames, um médico afirma não encontrar a causa do problema ou, pior, sugere que os sintomas podem ser apenas psicológicos. Esse fenômeno é conhecido como “gaslighting médico” — uma experiência de invalidação que tem ganhado visibilidade, especialmente nas redes sociais. A situação vista com cada vez mais frequência também têm gerado debate sobre o uso adequado do termo e sobre o impacto desse tipo de interação no relacionamento entre profissionais de saúde e pacientes.
Origem do termo
O termo “gaslighting” tem origem na peça teatral britânica Gas Light, de 1938, adaptada para o cinema em 1944. Na história, um marido manipula a esposa para que ela acredite estar enlouquecendo, diminuindo deliberadamente a iluminação a gás da casa e negando que a alteração esteja acontecendo. A palavra passou a ser usada para descrever formas de abuso psicológico em que a vítima é levada a questionar sua própria percepção da realidade.
O debate
Para compreender melhor o tema, Alexandra Fuss, diretora de medicina comportamental em doença inflamatória intestinal no Mass General e instrutora de psicologia na Harvard Medical School, se uniu a pesquisadores da Universidade de Michigan e do Rome Foundation Research Institute, na Carolina do Norte, para um estudo publicado no periódico Translational Gastroenterology and Hepatology. Fuss e sua equipe concluíram que a maioria dos casos não envolve uma intenção deliberada de enganar. “A grande maioria (dos profissionais de saúde) não tem intenção de prejudicar. Eles estão fazendo o melhor que podem para serem curadores e ajudantes. Mas, às vezes, há um comportamento ‘medicamente invalidante’. Não é intencional, mas ainda é prejudicial”, afirma.
Como o termo “gaslighting” é usado para descrever situações em que há uma tentativa deliberada de fazer a outra pessoa duvidar de si mesma e da própria realidade, a psicóloga defende que esta não é a palavra mais adequada quando se trata de interações médico/paciente. “Se usarmos o termo ‘gaslighting’ quando a intenção está ausente, estamos perdendo a oportunidade de compaixão pelos provedores”, destaca. Por isso, ela defende o uso do termo “invalidação médica” para descrever situações em que, mesmo sem má-fé, o paciente se sente desacreditado.
Um dos fatores que contribuem para essas experiências é a crescente pressão sobre os médicos. Segundo Fuss, “os médicos são constantemente pressionados pela produtividade, para atender o máximo de pacientes possível e, muitas vezes, no menor tempo possível”. Estudos indicam que mais de 50% do tempo desses profissionais é dedicado à documentação, muitas vezes fora do expediente. “Não é surpreendente que as taxas de esgotamento sejam tão altas, afetando mais da metade dos médicos em prática.”
Essa pressão impacta diretamente o relacionamento com o paciente. “Se um médico tem apenas 15 minutos para uma consulta e o paciente ocupa a maior parte do tempo falando, sobra pouco espaço para que o profissional expresse empatia ou explore melhor a questão”, explica. Sem esse espaço, os pacientes podem interpretar a falta de resposta como desinteresse ou descaso.
Para Fuss, reconhecer a “invalidação médica” como um problema sistêmico é o primeiro passo para construir relações mais saudáveis entre médicos e pacientes. A solução, segundo ela, passa por mudanças estruturais, que vão desde a revisão das políticas hospitalares até a garantia de que médicos tenham espaço para um atendimento mais humano e reflexivo. “Mudanças começando no topo podem ter um impacto muito maior”, conclui. Ao redefinir o problema, Fuss e sua equipe apontam para uma abordagem mais compassiva e eficaz, que considera não apenas as intenções individuais, mas também os desafios sistêmicos que moldam o cuidado médico moderno.