Os especialistas sabem há muito tempo que as habilidades de leitura se desenvolvem antes do primeiro dia de jardim de infância, mas uma nova pesquisa da Escola de Pós-Graduação em Educação de Harvard diz que elas podem começar a se desenvolver já na infância. O estudo, realizado pelo laboratório de Nadine Gaab, professora associada de educação, constatou que as trajetórias entre crianças com e sem dificuldades de leitura começam a divergir por volta dos 18 meses de idade — e não aos 5 ou 6 anos, como se pensava anteriormente. A descoberta pode ter sérias implicações para as políticas, afirma Gaab, pois ressalta a necessidade de identificação precoce de dificuldades de leitura, intervenção precoce e aprimoramento dos currículos de alfabetização precoce nas pré-escolas.
“Nossas descobertas sugerem que algumas dessas crianças chegam ao primeiro dia de jardim de infância com suas mochilas pequenas e um cérebro menos desenvolvido para aprender a ler, e que essas diferenças no desenvolvimento cerebral começam a aparecer na primeira infância”, aponta Gaab. “Atualmente, estamos esperando até a segunda ou terceira série para encontrar crianças com dificuldades de leitura. Devemos encontrar essas crianças e intervir bem antes, porque sabemos que quanto mais jovem o cérebro, mais maleável ele é para a entrada da linguagem.”
Gaab e os coautores Ted Turesky, Elizabeth Escalante e Megan Loh trabalharam com uma amostra de 130 participantes do estudo, sendo o mais novo de 3 meses de idade. Oitenta eram da região de Boston e 50 de uma amostra no Canadá. Na última década, os pesquisadores acompanharam o desenvolvimento cerebral dos participantes, da infância à infância, e sua relação com o desenvolvimento da alfabetização, por meio de exames de ressonância magnética. O grupo amostral foi complementado com exames e medidas comportamentais do Calgary Preschool MRI Dataset.
Há outros estudos que acompanham o desenvolvimento cerebral em crianças, mas este é o único estudo longitudinal do cérebro no mundo que acompanha o desenvolvimento cerebral da infância à adolescência com medidas abrangentes de resultados de alfabetização, disseram Gaab e Turesky. “Esses outros estudos tinham amostras maiores do que as nossas, mas estavam muito mais focados na maturação típica do cérebro”, fala Turesky. “Não vimos outros estudos que começaram na infância, acompanharam a maturação cerebral no mesmo grupo de crianças por tanto tempo quanto nós e incluíram medidas de resultados acadêmicos.”
Os pesquisadores também buscaram aprender mais sobre como o cérebro aprende em geral e como aprende a ler em particular. A leitura é uma habilidade complexa que envolve o desenvolvimento inicial de regiões cerebrais e a interação de várias subhabilidades de nível inferior, incluindo o processamento fonológico e a linguagem oral. As bases cerebrais do processamento fonológico, previamente identificadas como um dos mais fortes preditores comportamentais das habilidades de decodificação e leitura de palavras, começam a se desenvolver ao nascimento ou mesmo antes, mas passam por um refinamento adicional entre a infância e a pré-escola, coloca Gaab. O estudo demonstrou ainda mais apoio a essa ideia ao descobrir que o processamento fonológico mediava a relação entre o desenvolvimento inicial do cérebro e as habilidades posteriores de leitura de palavras.
“A maioria das pessoas pensa que a leitura começa quando você começa a frequentar a escola formal, ou quando você começa a cantar o alfabeto”, lembra Gaab. “As habilidades de leitura provavelmente começam a se desenvolver no útero, porque a habilidade fundamental para aprender a ler, da qual a linguagem oral faz parte, é o processamento de sons e linguagem que ocorre no útero.” Além de exames de ressonância magnética, o estudo envolveu avaliações psicométricas de crianças, incluindo linguagem e habilidades cognitivas gerais, idioma doméstico e ambiente de alfabetização, para examinar como essas variáveis influenciam o desenvolvimento.
“Por muito tempo, sabíamos que crianças com dificuldades de leitura apresentavam desenvolvimento cerebral diferente”, explica Gaab. “O que não sabíamos era se seus cérebros mudavam em resposta às dificuldades diárias na escola, o que levava a diferenças em seus cérebros. Ou seria que as crianças começam com um cérebro menos adequado para aprender a ler no primeiro dia de escola formal, o que provavelmente causa problemas de leitura? Nossos resultados, entre outros de laboratório, sugeriram que as crianças começam o primeiro dia de aula com um cérebro menos adequado para aprender a ler e que essas diferenças cerebrais começam muito antes do jardim de infância.”
Gaab cita seu estudo, financiado por uma bolsa dos Institutos Nacionais de Saúde, como um exemplo de como a ciência básica pode subsidiar tanto a prática educacional quanto as políticas públicas. Ela e sua equipe deveriam continuar acompanhando as crianças do estudo durante o ensino fundamental e médio, por quase mais cinco anos, mas os recentes cortes no financiamento federal tornaram isso incerto. “Os primeiros quatro anos do desenvolvimento da leitura são o desenvolvimento da linguagem oral”, disse ela. “Mas o objetivo final de aprender a ler é compreender o que você lê. Nosso estudo analisou como elas aprendem a ler palavras. Esperávamos acompanhá-las por mais cinco anos para avaliar sua compreensão de texto.”
O pedido de subsídio para continuar monitorando essas crianças recebeu uma pontuação financiável no NIH, mas devido ao término dos subsídios do NIH para Harvard, provavelmente não será concedido, revela Gaab. “É realmente triste porque essas crianças sairão do estudo e irão para a faculdade, e ficarão perdidas para sempre”, pontua Gaab. “Isso forneceria informações importantes para medir pelo menos a compreensão de leitura delas, mesmo que não vejamos seus cérebros novamente, no ensino fundamental e no início do ensino médio. As famílias das crianças no estudo já estão nos perguntando: ‘Quando é a próxima vez que devemos voltar?’ Vamos precisar dizer a elas que provavelmente foi agora.”