O avanço da inteligência artificial generativa está impondo uma reconfiguração estratégica no ensino superior, exigindo que universidades revisitem não apenas suas metodologias, mas também sua razão de existir. A tecnologia, que permite automatizar desde a leitura de textos até análises complexas de dados, está redefinindo o que significa aprender — e, por consequência, o papel das instituições acadêmicas na formação de lideranças e na produção de conhecimento.
A questão central não é se a IA deve ser incorporada ao ambiente universitário, mas como — e com que objetivos. “Precisamos deixar claro que acesso à informação não é o mesmo que aprendizado, e certamente não é o mesmo que aprendizado ativo e sustentado”, afirmou Nonie K. Lesaux, professora da Harvard Graduate School of Education. A afirmação sintetiza a tensão entre o potencial de produtividade da IA e o risco de erosão de competências cognitivas essenciais.
Para os gestores acadêmicos, o desafio vai além da infraestrutura tecnológica. Trata-se de repensar currículos, critérios de avaliação, ética profissional e os próprios modelos pedagógicos. Christopher W. Stubbs, professor de Física e Astronomia em Harvard, observa que há grande disparidade interna sobre o uso da IA: enquanto alguns docentes estruturam seus cursos com base na tecnologia, outros a proíbem completamente. “Ainda temos um longo caminho até construirmos uma visão clara do que queremos oferecer aos nossos alunos — e, a partir disso, reconstruirmos o sistema”, pontua.
Ao mesmo tempo, professores e pesquisadores começam a utilizar a IA generativa para acelerar avanços em suas áreas. A economista Rachel Carmody, por exemplo, aplicou modelos de IA para processar 40 terabytes de dados metagenômicos e identificar mudanças na microbiota intestinal humana — uma tarefa que, há poucos meses, demandaria um ano de trabalho manual. Já o professor Alberto Cavallo utilizou IA para mapear a origem de milhares de produtos e medir o impacto de tarifas internacionais, ampliando a velocidade e a precisão de análises econômicas.
Essas tendências vêm se consolidando em experiências acadêmicas mais estruturadas. Na Harvard Business School, o professor Iavor Bojinov lidera um curso nativo em IA, no qual alunos usam modelos generativos para responder a desafios, construir negócios e tomar decisões em ambientes simulados. A iniciativa revela um paradoxo recorrente: embora os alunos demonstrem entusiasmo com a tecnologia, também questionam sua necessidade de aprender certos conteúdos que agora podem ser automatizados. “Estamos debatendo isso com profundidade”, afirma Bojinov.
Parte dessas reflexões foi abordada em um simpósio promovido por Harvard, que reuniu líderes acadêmicos para discutir o impacto da IA generativa na educação. O evento fez parte de uma série de iniciativas institucionais que buscam transformar o ecossistema universitário diante da nova realidade tecnológica — entre elas, a criação do Digital Data Design Institute e o lançamento de um sandbox de IA voltado à experimentação segura de grandes modelos de linguagem.
No curto prazo, o uso da IA generativa já vem alterando a dinâmica de sala de aula, a produção de pesquisa e o processo decisório das universidades. No médio e longo prazo, no entanto, a implicação é mais profunda: exige que o ensino superior defina, de forma estratégica, qual será sua relevância em um mundo onde aprender deixou de ser sinônimo de acumular informação — e passou a significar interpretar, aplicar e gerar valor com inteligência aumentada.