Por anos, o mundo conviveu com previsões alarmantes sobre ameaças cibernéticas capazes de gerar verdadeiras catástrofes globais. Termos como Cyber Pearl Harbor ou Guerra Cibernética estampavam capas de revistas e discursos de líderes mundiais. No entanto, apesar de prejuízos bilionários e ataques devastadores, como o WannaCry e o NotPetya, o cenário mais temido — colapso de infraestrutura ou mortes em massa — nunca se concretizou. Mas esse equilíbrio frágil pode estar ameaçado com o avanço da inteligência artificial. Quem faz esse alerta é o professor Ciaran Martin, da Escola de Governo Blavatnik, da Universidade de Oxford, e ex-chefe do Centro Nacional de Segurança Cibernética do Reino Unido. Em um artigo publicado recentemente, ele explica como esse equilíbrio tem se sustentado — e por que ele está mais vulnerável do que nunca.
Segundo Martin, há três razões principais que explicam por que o ciberespaço, até hoje, é um ambiente de risco, mas não de catástrofes:
1️⃣ A segurança humana não foi totalmente delegada às máquinas.
Sistemas críticos, como transporte aéreo e ferroviário, são projetados para que, diante de falhas ou ataques, operem em modo de segurança. Se o controle aéreo falha, aviões pousam manualmente. Se o sistema de trens cai, os trens param — não colidem. Isso não elimina o caos econômico e operacional, mas evita tragédias humanas.
2️⃣ As armas digitais mais destrutivas estão nas mãos de poucos.
Ataques de grande escala exigem anos de preparo, infraestrutura sofisticada, profissionais altamente qualificados e investimentos milionários. Por isso, ficam restritos a Estados-nação e grandes organizações. Mesmo quando possuem essa capacidade, países como China, Rússia ou Irã evitam usar esse poder indiscriminadamente, conscientes do custo político e das possíveis retaliações.
3️⃣ A eterna corrida entre defesa e ataque.
As mesmas ferramentas usadas por hackers para explorar vulnerabilidades são usadas por especialistas em segurança para corrigi-las. Não há uma vitória definitiva nem de um lado nem do outro. É uma batalha constante — e, até aqui, equilibrada.
O fator IA
A chegada da inteligência artificial muda algumas peças desse tabuleiro. Na visão de Martin, a IA não cria armas cibernéticas “mágicas”, mas amplia exponencialmente a capacidade de ataque. Ela torna operações antes complexas mais baratas, rápidas e acessíveis. “Grupos terroristas, que sempre sonharam com poderosas armas cibernéticas e nunca conseguiram, agora podem ter acesso a essas capacidades graças à IA”, alerta o professor. O maior risco está justamente na democratização dessas ferramentas. Se antes apenas Estados-nação dominavam ataques sofisticados, a IA pode permitir que atores menores — incluindo grupos extremistas — tenham acesso a esse poder.
No entanto, nem tudo são más notícias. A mesma IA que potencializa ataques também pode reforçar a defesa. Ferramentas de detecção, bloqueio e correção de vulnerabilidades ganham velocidade e eficiência com a inteligência artificial. Além disso, Martin lembra que, apesar do avanço tecnológico, há barreiras que ainda dependem de escolhas humanas. O fato de não termos aceitado, até agora, abrir mão do controle humano sobre sistemas críticos é uma dessas escolhas. Ele afirma que “preservar esse aspecto do equilíbrio é uma decisão nossa. E, até aqui, os sinais são encorajadores”. E conclui: “O ciberespaço continuará sendo um lugar de dano e disputa — mas não precisa ser um lugar de catástrofe”.