Com países como o Reino Unido declarando metas ambiciosas para liderança em IA e descarbonização, um novo relatório sugere que a IA pode impulsionar um aumento de 25 vezes no uso de energia do setor de tecnologia global. Até 2040, a demanda de energia da indústria de tecnologia poderá ser até 25 vezes maior do que a atual, com o crescimento descontrolado de data centers impulsionados pela IA, o que pode provocar picos no consumo de eletricidade que sobrecarregariam as redes elétricas e acelerariam as emissões de carbono. Isso é o que diz um novo relatório do Centro Minderoo de Tecnologia e Democracia da Universidade de Cambridge, que sugere que mesmo a estimativa mais conservadora para as necessidades de energia das grandes empresas de tecnologia verá um aumento de cinco vezes nos próximos 15 anos.
A ideia de que governos como o do Reino Unido podem se tornar líderes em IA e, ao mesmo tempo, atingir suas metas de zero emissões líquidas equivale a “pensamento mágico nos mais altos níveis”, de acordo com os autores do relatório. O Reino Unido está comprometido com a meta de zero emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050. Pesquisadores pedem padrões globais para relatar o custo ambiental da IA por meio de fóruns como a COP, a cúpula do clima da ONU, e argumentam que o Reino Unido deve defender isso no cenário internacional, ao mesmo tempo em que garante a supervisão democrática internamente.
O relatório sintetiza projeções de consultorias líderes para prever as demandas energéticas da indústria global de tecnologia. Os pesquisadores observam que essas projeções se baseiam em declarações das próprias empresas de tecnologia. Atualmente, os data centers — instalações que abrigam servidores para processamento e armazenamento de dados, além de sistemas de resfriamento que impedem o superaquecimento desse hardware — são responsáveis por quase 1,5% das emissões globais.
Espera-se que esse número aumente de 15% a 30% a cada ano, atingindo 8% do total das emissões globais de gases de efeito estufa até 2040, escrevem os autores do relatório. Eles apontam que esse número excederia em muito as emissões atuais das viagens aéreas. O relatório destaca que, nos EUA, China e Europa, os data centers já consomem cerca de 2% a 4% da eletricidade nacional, com concentrações regionais se tornando extremas. Por exemplo, até 20% de toda a energia na Irlanda agora vai para data centers no cluster de Dublin.
“Sabemos que o impacto ambiental da IA será formidável, mas os gigantes da tecnologia são deliberadamente vagos sobre os requisitos de energia implícitos em seus objetivos”, afirma Bhargav Srinivasa Desikan, principal autor do relatório do Minderoo Centre de Cambridge. “A falta de dados concretos sobre o consumo de eletricidade e água, bem como as emissões de carbono associadas à tecnologia digital, deixa os formuladores de políticas e pesquisadores no escuro sobre os danos climáticos que a IA pode causar.” Desikan aponta: “Precisamos ver ações urgentes dos governos para evitar que a IA atrapalhe as metas climáticas, e não apenas adiar a promessa de crescimento econômico para empresas de tecnologia”.
No Brasil, o crescimento dos data centers movidos por IA também vem ganhando força e atenção do setor empresarial. Com uma matriz energética majoritariamente renovável, o país tem se posicionado como destino estratégico para empresas que buscam combinar expansão tecnológica com compromissos ESG. Grandes investimentos, como o megaempreendimento da RT One em Maringá e o novo campus da Scala Data Centers no Rio Grande do Sul, reforçam o potencial do Brasil como hub regional de infraestrutura digital. No entanto, o ritmo acelerado dessa expansão já pressiona redes locais de energia e levanta preocupações sobre disponibilidade hídrica e sustentabilidade operacional. A ausência de regulamentação específica abre espaço tanto para riscos quanto para oportunidades — especialmente para empresas que liderarem com soluções inovadoras em eficiência energética, uso de energia limpa e governança ambiental integrada.
O Relatório
Para o estudo, os pesquisadores também utilizaram dados de comunicados de imprensa corporativos e relatórios ESG de alguns dos gigantes da tecnologia do mundo para mostrar a trajetória alarmante do uso de energia antes que a corrida da IA fosse totalmente acionada. As emissões de gases de efeito estufa relatadas pelo Google aumentaram 48% entre 2019 e 2023, enquanto as emissões relatadas pela Microsoft aumentaram quase 30% entre 2020 e 2023. A pegada de carbono da Amazon cresceu cerca de 40% entre 2019 e 2021 e, embora tenha começado a cair, permanece bem acima dos níveis de 2019.
Esses dados autorrelatados são contestados, observam os pesquisadores, e alguns relatórios independentes sugerem que as emissões reais das empresas de tecnologia são muito maiores. Várias gigantes da tecnologia estão recorrendo à energia nuclear para neutralizar a bomba-relógio energética que está no cerne de suas ambições. Sam Altman, CEO da OpenAI, argumentou que a fusão é necessária para atingir o potencial da IA, enquanto a Meta afirmou que a energia nuclear pode “fornecer energia de base firme” para abastecer seus data centers.
A Microsoft até assinou um acordo de 20 anos para reativar a usina de Three Mile Island — local do pior acidente nuclear da história dos EUA. Alguns líderes de tecnologia, como o ex-CEO do Google, Eric Schmidt, argumentam que os custos ambientais da IA serão compensados por seus benefícios para a crise climática – desde a contribuição para avanços científicos em energia verde até a modelagem aprimorada das mudanças climáticas. “Apesar das demandas vorazes de energia da IA, as empresas de tecnologia incentivam os governos a ver essas tecnologias como aceleradoras da transição verde”, explica a Professora Gina Neff, Diretora Executiva do Centro Minderoo para Tecnologia e Democracia. “Essas alegações atraem governos que apostam na IA para fazer a economia crescer, mas podem comprometer os compromissos climáticos da sociedade.”
A professora acrescenta que “as grandes empresas de tecnologia estão ultrapassando suas próprias metas climáticas, ao mesmo tempo em que dependem fortemente de certificados de energia renovável e compensações de carbono em vez de reduzir suas emissões”. Ela alerta ainda que “a IA generativa pode ser útil para projetar soluções climáticas, mas há um risco real de que as emissões provenientes da expansão da IA superem quaisquer ganhos climáticos, à medida que as empresas de tecnologia abandonam as metas de zero líquido e buscam enormes lucros impulsionados pela IA.” O relatório pede a atualização das políticas ambientais do Reino Unido para a “era da IA”. As recomendações incluem a inclusão da pegada energética da IA nos planos nacionais de descarbonização, com metas específicas de redução de carbono para data centers e serviços de IA, além de requisitos para relatórios detalhados sobre o consumo de energia e água.
Os autores do relatório defendem que a Ofgem, a entidade reguladora independente dos mercados de gás e eletricidade na Grã-Bretanha, deve definir metas rigorosas de eficiência energética para data centers, enquanto o Departamento de Segurança Energética e Zero Emissão e o Departamento de Ciência, Inovação e Tecnologia devem vincular o financiamento de pesquisas de IA e as operações de data centers à adoção de energia limpa. Os pesquisadores observam que o novo Conselho de Energia de IA do Reino Unido atualmente é composto inteiramente por órgãos de energia e empresas de tecnologia, sem representação de comunidades, grupos climáticos ou sociedade civil.
“As redes de energia já estão sobrecarregadas”, alerta o professor John Naughton, presidente do Conselho Consultivo do Centro Minderoo para Tecnologia e Democracia. Cada megawatt alocado para data centers de IA será um megawatt indisponível para habitação ou indústria. Os governos precisam ser francos com o público sobre as inevitáveis compensações energéticas que surgirão com a intensificação da IA como motor do crescimento econômico.