A partir do uso de criptografia e IA O jornal britânico The Guardian acaba de lançar um novo módulo de mensagens seguras dentro de seu aplicativo de notícias para smartphones para proteger denunciantes. A tecnologia, chamada Secure Messaging, é baseada no sistema CoverDrop, desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Cambridge, e representa um avanço significativo em soluções de segurança digital voltadas à proteção de fontes confidenciais. A inovação atende a uma necessidade crítica do jornalismo contemporâneo: oferecer um canal seguro, discreto e tecnicamente robusto para que potenciais denunciantes possam se comunicar com veículos de imprensa, especialmente em um cenário global marcado pela vigilância digital, ataques a jornalistas e aumento da censura.
Segurança invisível: como funciona o CoverDrop
O funcionamento do sistema é tecnicamente engenhoso. Ao ser ativado, o CoverDrop começa a enviar automaticamente mensagens falsas regulares para os servidores do The Guardian, criando uma espécie de “ruído” para dificultar que qualquer observador externo detecte quando ocorre uma comunicação real entre um jornalista e uma fonte. Essas mensagens, verdadeiras ou não, são padronizadas com o mesmo número de caracteres e passam por criptografia de chave pública, um recurso essencial que impede que terceiros consigam ler o conteúdo. Apenas o jornalista que detém a chave privada correspondente pode decodificar a mensagem, mesmo que o conteúdo seja interceptado.
Outro recurso inovador do sistema é o uso de “dead drops” digitais — espaços seguros e ocultos onde a fonte pode deixar mensagens para que o jornalista as recupere posteriormente, sem necessidade de interação em tempo real. Tudo isso é feito de forma a não deixar rastros no aparelho da fonte. Mesmo que o smartphone seja apreendido ou roubado, o aplicativo não revela que houve qualquer tipo de uso do CoverDrop. Ao ser aberto, o módulo oferece apenas duas opções: “Começar” ou “Verificar seu cofre de mensagens”, mantendo o sigilo da atividade.
Uma solução de código aberto
O CoverDrop é um projeto de código aberto, com todos os seus algoritmos e estrutura publicados online. A proposta dos criadores é justamente permitir que outras organizações de mídia, ONGs e entidades civis possam adaptar e utilizar a ferramenta, especialmente aquelas que operam em contextos de maior risco, como países com liberdade de imprensa restrita ou sistemas judiciais autoritários. “O fato de o código ser aberto permite auditoria pública e o aprimoramento contínuo por desenvolvedores independentes. Isso é crucial para softwares de segurança”, explica o pesquisador Daniel Hugenroth, que lidera o projeto ao lado do professor Alastair Beresford, ambos da Universidade de Cambridge.
Uma resposta à era Snowden
O projeto nasceu da constatação de que denunciantes frequentemente fazem o primeiro contato por canais inseguros, como e-mails pessoais ou redes sociais. Isso aumenta significativamente o risco de exposição. A pesquisa sobre o tema começou após os vazamentos de Edward Snowden, que revelaram a existência de programas globais de vigilância em massa operados por agências de inteligência. “O jornalismo investigativo precisa de proteção digital à altura dos riscos que enfrenta”, disse Beresford. “O CoverDrop é uma resposta tecnológica à urgência ética de garantir que vozes críticas possam ser ouvidas — sem serem rastreadas.”
Brasil pode adotar a tecnologia?
Como a ferramenta é de código aberto e utiliza infraestrutura comum (o próprio app de notícias do veículo), veículos brasileiros com atuação em jornalismo investigativo, podem adaptar e adotar a tecnologia com relativa facilidade. O desafio, agora, é político e estratégico: haverá interesse suficiente em investir na proteção de fontes por meio de soluções de engenharia digital de ponta? No momento em que o jornalismo sofre ataques em várias frentes, o CoverDrop representa um avanço técnico e simbólico. É tecnologia posta a serviço da liberdade de imprensa — e da democracia.