Um ensaio clínico conduzido pelo Mass Eye and Ear demonstrou a eficácia de um novo tratamento com células-tronco para restaurar com segurança a superfície da córnea em pacientes com lesões graves. O procedimento, chamado células epiteliais limbares autólogas cultivadas (CALEC), envolve a remoção de células-tronco do olho saudável do paciente, sua expansão em laboratório e posterior transplante para o olho afetado. O estudo acompanhou 14 pacientes durante 18 meses e revelou uma taxa de sucesso superior a 90%.
O Mass Eye and Ear é um hospital de ensino afiliado à Harvard Medical School e referência global em pesquisa e tratamento de doenças oculares e auditivas. A instituição tem um histórico de inovações na oftalmologia e desempenha um papel central no avanço de novas terapias para preservar e restaurar a visão. O ensaio divulgado agora foi financiado pelo National Eye Institute e é a primeira terapia com células-tronco para o olho nos EUA a receber esse apoio.
A córnea, camada externa transparente do olho, depende de células-tronco epiteliais limbares para manter sua superfície lisa. Quando essas células são danificadas por queimaduras químicas, infecções ou outros traumas, elas não podem se regenerar naturalmente. Como resultado, os pacientes desenvolvem uma deficiência grave, tornando inviável um transplante tradicional de córnea e deixando-os com dor persistente e comprometimento visual significativo. O CALEC surge como uma alternativa para restaurar a superfície ocular nestes casos que até então eram considerados intratáveis.
Desenvolvido ao longo de quase duas décadas, o procedimento foi resultado de colaborações entre pesquisadores do Mass Eye and Ear, Dana-Farber Cancer Institute e Boston Children’s Hospital. O ensaio clínico, aprovado pela FDA (órgão governamental dos EUA que faz o controle dos alimentos, suplementos alimentares, medicamentos, cosméticos, equipamentos médicos, materiais biológicos e produtos derivados do sangue humano) e pelo Mass General Brigham Institutional Review Board (responsável por aprovar os estudos de pesquisa que envolvam seres humanos), teve início em 2018. A fabricação dos enxertos celulares seguiu critérios rigorosos de qualidade e foi realizada pelo Connell and O’Reilly Families Cell Manipulation Core Facility do Dana-Farber.
Os resultados do estudo mostraram que, após três meses, 50% dos participantes tiveram a córnea completamente restaurada. Essa taxa aumentou para 79% em 12 meses e 77% em 18 meses. Considerando também os casos de sucesso parcial, a eficácia geral do tratamento foi de 93% e 92% nos acompanhamentos de um ano e meio. Além da regeneração da córnea, o procedimento proporcionou melhora na acuidade visual dos pacientes em diferentes níveis.
O CALEC apresentou um perfil de segurança elevado, sem eventos adversos graves no olho doador ou receptor. O único evento relevante foi uma infecção bacteriana em um participante devido ao uso contínuo de lentes de contato. Outros efeitos colaterais foram leves e resolvidos rapidamente. No entanto, uma limitação do método atual é que ele só pode ser realizado em pacientes com apenas um olho afetado, pois é necessário extrair células do olho saudável.
Para ampliar o alcance do tratamento, os pesquisadores pretendem desenvolver um processo baseado em células-tronco de doadores falecidos, o que permitiria atender pacientes com lesões bilaterais. Apesar dos resultados promissores, o CALEC ainda é um procedimento experimental e não está disponível comercialmente. Ensaios clínicos adicionais, incluindo estudos randomizados e com um maior número de pacientes, serão necessários antes da aprovação federal e disponibilização em hospitais. Mas os pesquisadores esperam que, no futuro, a inovação possa beneficiar milhares de pacientes que atualmente não possuem alternativas viáveis de tratamento.