No calor intenso do verão, o ar-condicionado se torna essencial. No entanto, o uso da tecnologia gera um paradoxo, como lembra Jeff Goodell no livro “The Heat Will Kill You First”: dependemos cada vez mais de uma tecnologia que, ironicamente, piora o problema que tenta resolver.
A invenção do ar-condicionado remonta a 1902, quando Willis Carrier desenvolveu um sistema para controlar a temperatura e a umidade em uma gráfica de Nova York. A inovação viabilizou a expansão de cidades em climas extremos e aumentou a produtividade em escritórios e indústrias. No entanto, o alto consumo de energia desse sistema é frequentemente negligenciado. Hoje, em muitas regiões, o ar-condicionado não é apenas um conforto, mas uma necessidade.
Esse desafio se estende aos data centers. Se altas temperaturas já impactam residências e empresas, imagine a pressão sobre infraestruturas críticas que hospedam serviços bancários, hospitalares, redes corporativas e até mesmo a gestão de cidades inteiras. Os servidores precisam operar em baixas temperaturas e, quando expostos a calor excessivo, perdem eficiência, aumentando o risco de falhas e tempo de inatividade. Sistemas de refrigeração antiquados, além de consumirem mais energia, elevam os custos operacionais e reduzem a resiliência da infraestrutura.
O impacto é evidente: um aumento exponencial na demanda por eletricidade para resfriamento. Em um cenário de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, a sobrecarga da rede elétrica torna os data centers mais vulneráveis a apagões e interrupções.
No Brasil, os sinais de alerta são claros. O Rio de Janeiro recentemente atingiu o nível máximo de calor na escala histórica, com sensações térmicas recordes de até 58°C. Para se ter uma ideia, o corpo humano começa a falhar a partir dos 42°C de temperatura interna, e a exposição prolongada a essas condições pode ser fatal. Um exemplo trágico ocorreu na peregrinação para Meca em 2024, onde uma onda de calor acima dos 50°C resultou na morte de mais de 1.200 pessoas. Diante dessas mudanças, cidades buscam adaptação, enquanto ambientes de missão crítica precisam de estratégias resilientes para mitigar riscos.
Os data centers enfrentam um dilema semelhante ao do ar-condicionado: a necessidade de resfriamento aumenta o consumo energético, ampliando o desafio da eficiência térmica. Como Goodell alerta, estamos presos em um ciclo vicioso que se intensifica conforme as temperaturas sobem.
Como Romper Esse Ciclo?
A solução não está apenas em resfriar melhor, mas em gerenciar a infraestrutura com eficiência. Monitoramento contínuo, manutenção preventiva e a adoção das melhores práticas operacionais são fundamentais. A realização de uma avaliação térmica (thermal assessment) é um passo essencial para identificar ineficiências e riscos. Ferramentas como CFD Analysis (Computational Fluid Dynamics) ajudam a mapear e otimizar fluxos térmicos dentro do data center, enquanto o Thermal Risk Assessment avalia os impactos do calor na resiliência da infraestrutura, permitindo intervenções preventivas.
Para novos projetos, um estudo criterioso da localização é indispensável. Isso envolve analisar padrões climáticos, disponibilidade energética, infraestrutura de conectividade e riscos naturais, como enchentes e tempestades severas. Um posicionamento inadequado pode comprometer a viabilidade do data center a longo prazo. Com essa análise em mãos, a escolha da estratégia de resfriamento se torna mais eficaz. Entre as principais soluções estão o resfriamento líquido direto, que dissipa calor diretamente nos componentes críticos; free cooling, que aproveita o ar ambiente para reduzir a necessidade de refrigeração mecânica; o controle dinâmico de cargas térmicas, que ajusta automaticamente a distribuição de calor em tempo real e DCIM (Data Center Infrastructure Management), essencial para monitoramento contínuo e otimização do consumo energético.
A transformação digital só será sustentável se garantirmos que sua espinha dorsal — os data centers — permaneça resiliente. Isso exige inovação e integração de soluções sustentáveis, assegurando que essas infraestruturas críticas continuem operando de forma eficiente, independentemente das mudanças climáticas. O ar-condicionado transformou o mundo moderno. Agora, cabe a nós decidir se ele será um alívio ou um amplificador de crises.
Fonte: Roberta Cipoloni Tiso é Diretora de Sustentabilidade e Comunicação da Green4T, coordena o Grupo de Desenvolvimento Sustentável da Associação Internacional de Transporte Público (UITP, da sigla em inglês) e é Advisory Board da Neo Mondo. Tem formação em Marketing, Gestão Estratégica e Econômica, é pós-graduada em Finanças e possui o título de Chief Sustainability Officer pelo MIT – Coletivo Tech